Com Paulo Roberto Ferreira (*)
Alô, alô correio do interior.
As mensagens radiofônicas ainda hoje são muito utilizadas na Amazônia. As populações ribeirinhas têm o hábito de ligar o aparelho receptor em determinada emissora que transmitem os “recados” aos destinatários que vivem distantes dos seus familiares ou para comunicar uma informação urgente a uma determinada comunidade.
Os avisos são transmitidos do mesmo jeito que o emissor escreve, simples, e terminam quase sempre com o bordão: “quem ouvir esta mensagem, favor retransmitir ao seu destinatário”. Ficou famosa a mensagem enviada pela Rádio Difusora de Macapá, por um integrante de uma comunidade do município de Chaves, na ilha do Marajó: “atenção vereador Fulano de Tal, favor devolver os pregos da nossa comunidade”.
O cineasta Gavin Andrews foi à emissora, pediu para ver a mensagem, identificou a comunidade e rumou de Macapá (AP) até Chaves (PA). Lá ficou sabendo que um vereador passou pela vila e como precisava reformar o trapiche do seu povoado, pediu emprestado o pacote de pregos, comprado com antecedência e que seria usado na reforma da capela do santo padroeiro, assim que terminasse o período de chuvas. Não houve má fé, o combinado foi que quando a obra fosse iniciada, uma mensagem radiofônica seria enviada ao líder da outra vila, o tal vereador. O certo é que história rendeu o documentário chamado “Alô, Alô Amazônia”, no DOC TV, do Ministério da Cultura, em março de 2007.
Ficou famoso também o radialista maranhense Almir Silva, que durante muitos anos fez a leitura de mensagens em seu programa “Alô, Alô Interior”, nas emissoras por onde passou, em Belém: rádios Guajará e Marajoara. O diferencial é que ele fazia comentários sobre os avisos. Certa vez, em pleno período da ditadura militar, transmitiu a seguinte mensagem:
“Alô, Alô comunidade Rio das Flores, seu Milico manda avisar ao seu irmão, Arnaldo, que não vai poder enviar o dinheiro esta semana, porque está em dificuldades”. Comentário de Almir: “esta é a primeira vez, desde 1964, que eu vejo falar que um milico está em dificuldade”. Consta que poucas horas depois do encerramento do programa, uma patrulha do Exército foi buscá-lo para prestar esclarecimentos no quartel da 8ª Região Militar, em Belém.
No Acre, o jornalista José Chalub Leite, no livro “Tão Acre”, narra alguns episódios das mensagens transmitidas pela emissora mais antiga do Estado, a Rádio Difusora Acreana. Um deles foi lido pelo locutor assim: “Atenção senhor João da Silva, no seringal Bom Destino, colocação Vai-quem-Quer. Sua esposa avisa que o negócio do cavalo só entrou a metade, mas amanhã fará todo o esforço para ver se entra a outra metade. Abraços e beijos nas crianças de seu amigo Sabá Comboieiro”.
Da Rádio Rural de Santarém saiu uma mensagem destinada a um garimpeiro que há mais de três anos não dava notícias à esposa, que sabia apenas que o marido fora aventurar trabalho em Itaituba: “Alô, Alô Manoel dos Anjos, Alô, alô Manoel dos Anjos, no garimpo do Cuiú Cuiú. Tua mulher, Maria das Graças, manda dizer que se não deres notícias dentro de três meses ela se considera viúva”.
O povo do Marajó fica ligado nas mensagens radiofônicas. É ali que toma conhecimento da cotação de preço de alguns produtos e até da situação de políticos que caem em desgraça. Certa vez um prefeito que teve seu mandato cassado pela Câmara de Vereadores mandou um recado ao seu principal adversário, o líder Sargentão: “Alô, alô Santa Cruz do Arari, alô, alô Santa Cruz do Arari, estou sendo vítima de perseguição. Mas não me esqueçam, porque eu vou voltar. E aí o pau vai comer na cabeça de tamuatá”. Tamuatá é um peixe cascudo, cheio de divisas, que muitos também chamam de sargento.
Porém o que considero mais engraçado foi o aviso enviado por uma moça que deixou sua localidade para fazer vestibular em Belém. “Alô, Alô dona Francisquinha, alô, alô dona Francisquinha, na Vila Maiauatá. Peguei pau. Sigo buchuda pra Pari. Mande a canoa me buscar”. Buchuda era a canoa motorizada que fazia a linha entre Belém e Igarapé-Miri e passava por Pari, um pequeno porto que diminuía o tempo de viagem, em canoa de remo, até a sua vila.
O que para nós, urbanos, soa estranho, não tem nenhum mistério para quem acompanha o dia a dia do “Correio do Interior”, que ainda tem uma larga audiência nas emissoras de rádio na Amazônia que alcançam as populações ribeirinhas.
(*) Paulo Roberto Ferreira é jornalista, escritor e colaborador do Estante Cultural
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